
Na tentativa de equilibrar trabalho e maternidade durante as férias escolares, dificilmente uma mãe chega ao mês de Agosto sem a culpa por trabalhar demais e perder o período com os filhos ou a culpa por negligenciar o trabalho ao priorizar a família. Nessa batalha de culpas, qual delas você escolhe?
Chega o momento das férias escolares e com ele todos os pelos no nosso corpo se arrepiam e nossa cabeça entra em parafuso pensando:
“o que eu vou fazer com a pausa das aulas e a não pausa do trabalho?”
Esse semestre me vi procurando aulas extracurriculares, espaços lúdicos, brinquedotecas, algo que me salvasse da jornada dupla — e simultânea durante as férias escolares — de ser mãe e profissional. E eis que me deparo com duas culpas também simultâneas: férias escolares é momento de estar com meu filho, criar memórias, acompanhar de pertinho o desenvolvimento dele, que muitas vezes acontece fora da minha vista, não quero ficar devendo para minha maternidade. Por outro lado, o trabalho segue a todo vapor nem se lembrando que escolas e filhos existem e precisam dessa pausa. E eu também. Não quero ficar devendo para as entregas profissionais.
Como sair dessa sinuca de bico? Não, eu não tenho uma resposta pronta, mas esses dias vi o post de uma mulher maravilhosa no instagram, a Anna Moreno Damico, professora, palestrante e mentora, falando sobre culpa materna e culpa profissional. E nesse reels ela diz que sofre da culpa profissional, que se sente presente com os filhos, ou “o mais presente que pode ser”, mas que muitas vezes chega a sentir uma inveja secreta quando vê colaboradores e pares conseguindo se dedicar integralmente às suas entregas no trabalho.
Insta da Anna: https://www.instagram.com/annamorenodamico?igsh=MTk0Z2dycXZqeGV0dA==
Senti identificação com esse post, mas o que mais me chamou atenção nele foi o comentário de uma pessoa que dizia:
“Atuei durante 23 anos na Indústria Farmacêutica (chegando a cargos estratégicos) e durante esse período tivemos duas filhas. Uma delas, a minha caçula, eu não me recordo o crescimento dela! Uma triste constatação!
Fui um pai super ausente, mas naquela época eu não conseguia enxergar isso!
Graças a Deus e a minha esposa minhas filhas são excelentes filhas. Nos últimos anos levei a outra culpa comigo. A culpa da paternidade ausente e posso te garantir. Se você sente culpa profissional você está no caminho certo! Não queria corrigir isso.
Prefira suas crias, sempre! O legado profissional é importante sim e marcante durante uma, duas ou no máximo três décadas, mas o seu ministério materno será eterno! Siga nos parques, nas reuniões escolares, nas entradas e saídas das aulas dos seus filhos! Essa será sua maior história a ser contada no futuro!”
Chorei quando li (sim, eu sou mãe que chora quando fala sobre maternidade), mas nesse choro tinha um misto de alívio do peso dessa culpa profissional e ao mesmo tempo uma constatação sobre o tempo: o tempo do sistema da produtividade não é o tempo do desenvolvimento dos nossos filhos. Esse tempo passa de maneira diferente, nos exige de maneiras diferentes e precisa ser percebido de maneiras diferentes. E nas férias escolares, isso se escancara.
Do que eu estou falando? Percebi que esse agito interno, regado a cafezinho, coração levemente disparado, ansiedade quase não administrável durante o expediente, tentando fazer tudo caber na jornada de um dia de trabalho, não é um estado interno compatível com o cuidado de uma criança. Simples assim.
Experimente assistir uma criança de dois anos tentando calçar seu tênis ou abotoar seu casaco. Tente fazer isso com a pressa interna que gera aquela leve gastrite no final do dia. Você vai apressar sua criança inevitavelmente, ou pior, vai acabar fazendo por ela, roubando dela a oportunidade de aprendizado que exigia apenas um elemento: tempo. Ela só precisava de tempo.
Não esquecendo da nossa pergunta do título:
“E como fica nossa saúde mental?”
Acredito que fique na nossa habilidade de perceber em qual estado interno devemos estar para lidar com o tempo de cada situação e, sobretudo, lidar com a nossa impaciência diante dos pequenos. Eu garanto: aquela tentativa de vestir o tênis sozinho que pareceu uma eternidade levou apenas 3 minutos.
Sim, as férias escolares podem ser uma oportunidade de aproveitamento do tempo para gerar conexão com os nossos filhos. E exigem da gente um jogo de cintura para fazer tudo caber. E com certeza, quando podemos contar com qualquer quantidade de rede de apoio, isso pode salvar nossas vidas. Mas, infelizmente, essa nem sempre é uma realidade com a qual podemos contar.
Entre cair na culpa materna ou na culpa profissional, eu acho que vou sempre cair nas duas, pelo menos um pouco. Mas consigo me comprometer a desacelerar meu estado interno quando estiver na frente daquele serzinho que ainda não se deparou com o ritmo frenético da produtividade (e que bom!). E dar os longos 3 minutos que ele precisa. E depois mais 2 minutos, assim que for possível. E depois cinco, assim que der. E nesses minutos eu estarei lá. Sem impor sobre ele a minha adaptação doentia a esse mundo de pressa.
Quem sabe assim as férias escolares me tragam férias também, mesmo que seja por esses minutinhos?